Especialista Em Ervas Marinhas Fala Sobre Esforços De Conservação Durante O Mês De Consciencialização
Lançamento de projecto de mapeamento em quatro países costeiros do Oceano Índico Ocidental
É Março, quando muitas mentes pensam na cor verde. Mas o mês é verde não apenas por causa de trevos e duendes para o Dia de São Patrício, também é verde de ervas marinhas, porque Março é o Mês da Consciencialização sobre Ervas Marinhas.
No início deste mês, O Fundo de Caridade Pew, junto com a Associação de Ciências Marinhas do Oceano Índico Ocidental (WIOMSA) e a Universidade de Southampton, lançaram a Iniciativa de Mapeamento e Gestão de Ervas Marinhas em Grande Escala (LaSMM I)—com cientistas a trabalhar em Moçambique, Quênia, Tanzânia (incluindo Zanzibar) e Madagáscar para desenvolver o primeiro mapa de ervas marinhas verificado em campo da região.
Os tapetes de ervas marinhas são abundantes no Oceano Índico Ocidental (WIO), fornecendo habitat, viveiro e áreas de alimentação para uma variedade de espécies marinhas, incluindo dugongos, tartarugas marinhas e espécies de peixes comercialmente importantes. Esses ecossistemas também ajudam a estabilizar as zonas costeiras, reduzir a erosão e actuar como amortecedores naturais contra tempestades e o aumento do nível do mar. E desempenham um papel importante na mitigação das mudanças climáticas, ao capturar e armazenar quantidades significativas de carbono.
Apesar de todos esses benefícios, os tapetes de ervas marinhas do WIO não foram totalmente mapeados.
O projeto LaSMMI planeia mapear ervas marinhas ao longo das costas dos quatro países participantes, cobrindo mais de 9.500 quilómetros (cerca de 6.000 milhas) e distribuídas por mais de 2 milhões de quilómetros quadrados (aproximadamente 800.000 milhas quadradas) da região do Oceano Índico Ocidental WIO.
Damboia Cossa, coordenadora do programa de ecossistemas marinhos e costeiros da WIOMSA e líder regional da LaSMMI, é Doutora em ciências marinhas pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e tem mais de 10 anos de experiência em conservação de ecossistemas costeiros. Ela é especializada em conservação, gestão e utilização de ferramentas inovadoras de mapeamento de ervas marinhas.
Esta entrevista com ela foi editada para brevidade e clareza.
Por que razão concentrou os seus estudos em ciências marinhas?
Costumo dizer que o meu amor pelo mar e a alegria que encontro em trabalhar no ambiente marinho foram factores-chave na minha decisão de seguir as ciências marinhas. No entanto, quando reflicto mais profundamente, percebo que a minha verdadeira paixão por esta área está enraizada no meu país de origem, Moçambique, que possui uma extensa costa e um ecossistema marinho diversificado.
Lembro-me claramente de um momento decisivo, há mais de 15 anos, durante uma das minhas primeiras viagens de trabalho de campo a uma área costeira. Ao observar a vida marinha de perto, fiquei impressionada com a vulnerabilidade desses ecossistemas. Essa experiência abriu-me os olhos para a necessidade urgente de trabalhar num ambiente marinho e proteger esses recursos inestimáveis. Foi então que compreendi verdadeiramente a importância da ciência marinha e como ela é essencial tanto para a biodiversidade quanto para as comunidades que dependem das áreas marinhas e costeiras.
O que a levou a restringir o seu foco de estudo às ervas marinhas?
A resposta está intimamente relacionada com o que inicialmente me atraiu para as ciências marinhas. Quando comecei a definir o foco dos meus estudos, percebi que, embora muitos pesquisadores estivessem a concentrar-se em outros ecossistemas costeiros importantes, como mangais e recifes de coral, os ecossistemas de ervas marinhas eram frequentemente negligenciados, especialmente na região do Oceano Índico Ocidental, onde a pesquisa era escassa.
Motivada por essa lacuna, decidi envolver me em trabalhos de campo especificamente focados nos tapetes de ervas marinhas na Ilha de Inhaca, no sul de Moçambique, que abriga vastas áreas de tapetes de ervas marinhas incrivelmente ricos. Durante esse trabalho de campo, com os olhos mais atentos, percebi que as ervas marinhas não são apenas plantas submersas; elas sustentam uma vasta vida marinha. No entanto, a sua importância é muitas vezes subestimada.
Também reconheci que esses ecossistemas são altamente vulneráveis às actividades humanas, pois são facilmente acessíveis às comunidades locais. Essa experiência fez me perceber a necessidade urgente de estudar e proteger os ecossistemas de ervas marinhas, ao mesmo tempo em que aumentava a consciencialização sobre a sua importância para as comunidades costeiras que delas dependem.
Por que as ervas marinhas são importantes na região do WIO?
Os ecossistemas de ervas marinhas são reconhecidos mundialmente como importantes ecossistemas costeiros, pois sustentam uma elevada biodiversidade e servem como soluções vitais baseadas na natureza para as mudanças climáticas, através da protecção costeira e da sua capacidade de captar e armazenar carbono. Na região da WIO, em particular, as ervas marinhas desempenham também um papel significativo na segurança alimentar e nos meios de subsistência das comunidades costeiras, tornando a sua protecção ainda mais crítica.
O que é a Associação de Ciências Marinhas do Oceano Índico Ocidental (WIOMSA) e qual é o seu papel na organização?
A Associação de Ciências Marinhas do Oceano Índico Ocidental é uma organização não governamental dedicada à promoção do desenvolvimento educacional, científico e tecnológico na área dasda ciências marinhas na região do Oceano Índico Ocidental. A organização desempenha também um papel crucial na ligação entre a ciência e a política, na defesa da sustentabilidade ambiental e na disseminação do conhecimento.
A WIOMSA teve um impacto significativo na minha carreira, tal como na de muitos outros pesquisadores da região do WIO. Estive envolvida em muitas das iniciativas da organização. Recentemente, integrei a equipa como coordenadora do programa de ecossistemas marinhos e costeiros, onde coordeno a Iniciativa de Mapeamento e Gestão de Ervas Marinhas em Larga Escala (LaSMMI).
Conte-nos mais sobre a iniciativa.
LaSMMI é um projecto de pesquisa colaborativo apoiado pela Pew, em parceria com a WIOMSA, a Universidade de Southampton e várias instituições de pesquisa e parceiros na região do WIO. Com base no sucesso do projecto Seychelles Seagrass Mapping and Carbon Assessment (Seychelles Seagrass Mapping and Carbon Assessment project), o LaSMMI tem como objectivo desenvolver o primeiro mapa de ervas marinhas verificado em campo para o Quénia, Tanzania, Moçambique e Madagáscar, bem como reforçar a capacidade científica em cada país. O projecto visa também acelerar a conservação e a gestão das ervas marinhas em toda a região do WIO, colaborando com parceiros nacionais na definição de políticas, como os compromissos assumidos pelos governos para reduzir as emissões globais e mitigar os efeitos das mudanças climáticas as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), no âmbito do Acordo de Paris.
Por que assumir a tarefa de mapear ervas marinhas na região do WIO?
Apenas cerca de 20% das áreas de ervas marinhas a nível mundial foram totalmente mapeadas, e regiões como o, WIO, continuam a apresentar uma grande deficiência de dados. Sabe se que as ervas marinhas no WIO cobrem uma extensa área ao longo de aproximadamente 12.000 quilómetros de costa, cada vez mais ameaçada por factores antropogénicos e naturais. No entanto, estes ecossistemas continuam a ser pouco compreendidos, apesar do seu imenso valor ecológico e económico. Isto torna o mapeamento das ervas marinhas na região do WIO particularmente crucial: Ao mapear as ervas marinhas, será possível colmatar essa lacuna de conhecimento, informar decisões políticas e promover melhores práticas de gestão, contribuindo para conservação eficaz destes ecossistemas valiosos.
Uma vez mapeadas as ervas marinhas, para que servirão os dados obtidos?
Terão múltiplas finalidades. Permitirão compreender a extensão e o estado de conservação das ervas marinhas, o que ajudará a identificar áreas prioritárias para conservação e gestão na região do WIO. O mapa permitirá ainda que governos e organizações desenvolvam estratégias específicas para proteger estes ecossistemas, recorrendo, por exemplo, a ferramentas como o ordenamento do espaço marinho. Além disso, o mapa fornecerá informações valiosas para a avaliação dos serviços ecossistémicos e para monitoramento das alterações ao longo do tempo, particularmente em resposta às mudanças climáticas, ao desenvolvimento costeiro e à poluição.
Proteger as ervas marinhas mapeadas no WIO é o objectivo final?
O mapeamento é um primeiro passo essencial, mas o objectivo final é garantir a conservação e a gestão sustentável das ervas marinhas na região WIO. No entanto, isso só será possivel se existirem dados e informações fiáveis. É, por isso, fundamental que as instituições governamentais, a academia, as comunidades locais e as ONGs tornem a conservação de ervas marinhas uma prioridade, tendo em conta vasta gama de serviços ecossistémicos que estes habitats fornecem.
Anteriormente, mencionou as contribuições nacionalmente determinadas, ou NDCs, so no âmbito do Acordo de Paris o tratado internacional adoptado em 2016 com o objectivo de reduzir o impacto das mudanças climáticas a nível global. Como é que o mapeamento de ervas marinhas pode contribuir para reforçar essas ambições nacionais de política climática?
As ervas marinhas desempenham um papel relevante no apoio aos países no cumprimento dos objectivos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, por isso, esta iniciativa de mapeamento servirá como uma linha de base essencial para melhorar os esforços de conservação e gestão em toda a região do WIO. A iniciativa apoiará, sobretudo, os países na integração dase ervas marinhas nas suas NDCs, além de informar outras iniciativas regionais e globais, como a ONU. Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável e Década Africana da Restauração de Ecossistemas (2021-2030), que visam proteger e restaurar ecossistemas vitais para os meios de subsistência, a biodiversidade e a resiliência climática.
Alguma opinião final sobre o LaSMMI?
Vejo o LaSMMI como um projecto inovador para a região WIO, estabelecendo uma referência que poderá servir de modelo para outras regiões do mundo. Trata-se de um momento único, marcado por um esforço colaborativo colaborativo entre quatro países e diversos parceiros para produzir mapas precisos de ervas marinhas. Isso tem o potencial de redefinir o futuro da conservação desses ecossistemas na região. O mais empolgante é que esses mapas fornecerão informações valiosas para orientar as agendas nacionais, regionais e internacionais, contribuindo de forma significativa para a protecção e a gestão sustentável dos ecossistemas de ervas marinhas.